calejada, Eliane Quintella não se preocupa em criar uma obra de arte complexa e multifacetada, incompreensível a não ser por uma reduzida elite intelectual. Ao contrário disso, ela se dirige a um amplo público-alvo determinado, o grande público culto preocupado com questões existenciais.
Seu livro é ao mesmo tempo gostoso de ler e questionador de nossas crenças mais profundas. Embora seja um agradável entretenimento, com uma trama intrigante que envolve os delicados arranjos emocionais de uma vida em família, e que é simultaneamente um romance de mistério, de suspense e a respeito do sobrenatural, também é uma obra que faz pensar sobre os problemas que cada um de nós vive, sempre a meio caminho entre o bem e o mal e sempre tentando nos colocar além tanto do bem quanto do mal.
Trata-se de uma jovem, como se costuma dizer, de boa família, que entra em contato com um enviado de Satã (na obra, se optou pela grafia Satan), que lhe propõe um pacto: ela poderá cumprir seus grandes sonhos em troca de... do quê mesmo? De entregar a alma a Satã?
É uma velha questão essa, de se obter o bem pessoal em troca de se fazer um acordo com o senhor do mal.
Mas Eliane Quintella consegue tanto dar vida nova a esse mito tradicional como levantar questões mais profundas. Enquanto desenha todas as delicadas vivências emocionais e éticas da vida de uma família abalada por uma tragédia, a autora faz leitor e leitoras se depararem com questões candentes: se Deus é sumamente bom, por que permite que haja tantos males na vida terrena? Se há uma Justiça Divina, por que neste mundo muitas vezes os bons são castigados e os maus são premiados?
E acima de tudo: é lícito altruisticamente se obter o bem para outrem que está sofrendo, em troca de o benfeitor sofrer o mal de entregar a alma a Satã? Como se vê, a autora criou uma alegoria muito bem escrita, uma história muito bem contada em que reconhecemos perfeitamente o nosso cotidiano nas dores e alegrias dos personagens, um drama que todo mundo entende, para discutir a questão ética mais aguda que a humanidade sempre enfrentou, continua enfrentando e vai enfrentar para sempre: a nobreza dos fins justifica quaisquer meios para obtê-los?
Autora Eliane Quintella autografa sua obra, editada pela Novo Século. - Arquivo Pessoal |
Mas Eliane Quintella propõe essa questão tão árdua de um modo prazeroso: uma narrativa intrigante e envolvente, em que as grandes questões da vida e da morte parecem depender de pequenos gestos no cotidiano, de decisões imediatas que todo mundo não só é capaz de tomar, como todo mundo tem de enfrentar a cada momento, de modo que é muito fácil e muito agradável identificar-se com seus e suas personagens.
Fica bastante claro que, ao contrário de muitos autores e muitas autoras estreantes, ela não romanceou sua própria vida, num romance de formação. Pelo contrário, ela é dona de uma fabulação literalmente fabulosa.
Se o mito do pacto com Satã é tão antigo quanto a própria noção de religião, e se esse tema já foi tão explorado por grandes escritores e também por escritores menores, o fato é que Eliane Quintella criou uma galeria de tipos inesquecíveis, de sua pura e livre invenção, imaginativa e criativa.
Se o mito do pacto com Satã é tão antigo quanto a própria noção de religião, e se esse tema já foi tão explorado por grandes escritores e também por escritores menores, o fato é que Eliane Quintella criou uma galeria de tipos inesquecíveis, de sua pura e livre invenção, imaginativa e criativa.
A autora tem duas qualidades que raramente se combinam numa estreia: tanto ela escreve muito bem, de uma maneira clara e bem ritmada, agradável não só à mente, como também aos ouvidos, como ainda ela é dona de uma grande imaginação. Igualmente ao contrário de muitos estreantes, ela não quer revolucionar a literatura e sim, como uma verdadeira escritora profissional veterana, proporcionar momentos úteis e agradáveis a seu público.
Do ponto de vista objetivo, essa nova escritora sabe espicaçar a curiosidade de seu leitor e de sua leitora, que sempre ficam querendo saber como a história vai continuar e o que vai acontecer com cada personagem. Do ponto de vista subjetivo, essa escritora consumada se envolve tanto com seus personagens que não consegue abandoná-los. Já estão prontos para serem publicados o segundo e o terceiro volumes do que se propõe ser uma saga, Prazer Secreto e História Secreta. Façamos um pacto com a autora para auferir o prazer de ler uma boa história.
Renato Pompeu
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