domingo, 22 de janeiro de 2017

[RESENHA] Dois Irmãos - Milton Hatoum

Certo, admito que o interesse por este livro só surgiu após ver as chamadas da minissérie produzida pela Rede Globo. Eu não conhecia a obra, nem o autor, nada. Claramente um grande pecado, um erro inquestionável. Mas eis que o destino consegue ser bondoso (raras vezes isso acontece) e eu descubro, inesperadamente, que minha BFF (aka meu docinho de coco) tem um exemplar, leu e amou. Logo agilizei e fiz questão de pegar emprestado. E sendo bem franco: eu ainda não dava nada pelo livro; achava que não iria gostar e que seria, muito possivelmente, mais uma frustração literária. Eis que levei outro "tapa na cara" e fui surpreendido. Você não imagina quão incrível e complexa esta história consegue ser! Mas não estou insinuando que você encontrará algo ininteligível. Não. Na verdade, este é um livro que vai justamente esmiuçar toda a complexidade da alma humana, e de forma bastante sutil, em determinados momentos.

Edição: 1
Editora: Companhia das Letras
ISBN: 9788535908336
Ano: 2007
Páginas: 266

Nota: (5/5)

"Dois Irmãos" é a história de como se constroem as relações de identidade e diferença numa família em crise. É a história de dois irmãos gêmeos - Yaqub e Omar - e suas relações com a mãe, o pai e a irmã. Moram na mesma casa Domingas, empregada da família, e seu filho. Esse menino - o filho da empregada - narra, trinta anos depois, os dramas que testemunhou calado. Buscando a identidade de seu pai entre os homens da casa, ele tenta reconstruir os cacos do passado, ora como testemunha, ora como quem ouviu e guardou, mudo, as histórias dos outros. Do seu canto, ele vê personagens que se entregam ao incesto, à vingança, à paixão desmesurada. O lugar da família se estende ao espaço de Manaus, o porto à margem do rio Negro: a cidade e o rio, metáforas das ruínas e da passagem do tempo, acompanham o andamento do drama familiar. Prêmio Jabuti 2001 de Melhor Romance.
A história é narrada por Nael e se desenvolve em Manaus. Conta a relação conflituosa dos gêmeos Yaqub e Omar. E num processo de vai e vem, é possível conhecer o surgimento do amor que uniu Zana a Halim na adolescência (os pais dos irmãos citados). Mas com o nascimento das crianças, a relação entre o casal passa a mudar, não consegue ser a mesma, não mais. Enquanto o pai se orgulha de Yaqub, vendo-o como um filho de futuro promissor, Zana parece ver Omar como filho único, dando-lhe um excesso de mimo, fazendo todas as suas vontades, mas sendo fria e indiferente com o outro. Até mesmo Rânia, filha mais nova do casal, sofre com a postura da mãe que só tem olhos para o caçula. 

Essa relação familiar tempestuosa tem como testemunhas as seguintes pessoas: Domingas (índia e criada de Zana) e seu filho Nael que é, na verdade, mais uma vítima das atitudes de OmarHalim, possivelmente o único ser equilibrado naquele lar, toma a frente da situação, tentando sempre ver os dois lados da balança, e é por anos a base para Nael, que cresce vivenciando todos os conflitos e entendendo que mesmo não sendo reconhecido, faz parte da família, invariavelmente.


“Naquela época, tentei, em vão, escrever outras linhas. Mas as palavras parecem esperar a morte e o esquecimento; permanecem soterradas, petrificadas, em estado latente, para depois, em lenta combustão, acenderem em nós o desejo de contar passagens que o tempo dissipou. E o tempo, que nos faz esquecer, também é cúmplice delas. Só o tempo transforma nossos sentimentos em palavras mais verdadeiras.”

Percebe que tudo nessa família exala problemas muito profundos, intensos e complexos? Eu nunca imaginei que viveria situações tão inimagináveis, e ainda sob a perspectiva de um narrador que, durante boa parte da leitura, não se apresenta, mostra-se onipresente, e embora você busque uma identidade para o mesmo logo de início, o leitor consegue se colocar no lugar dele e sentir-se parte daquilo, de tudo o que acontece ou aconteceu. Toda a história se desenvolve como se estivesse sendo contada a alguém, como um segredo de família que nunca havia sido comentado ou dito com tamanha veracidade, até agora. E por mais que você não ache que terá um bom desfecho (eu pensei que nas últimas páginas uma grande tragédia aconteceria e todos morreriam), é quase impossível conseguir deixar a leitura de lado. Eu ansiava por mais. Até mesmo as memórias mais remotas que foram apresentadas, trazem detalhes tão pertinentes que eu me via preso a cada parte daquele cenário, a cada pessoa. 

Aqui, não há aquela pessoa boa ou má. Admito que, durante boa parte da leitura, eu senti muita revolta do Omar, mas isso é algo completamente relativo, parte muito do critério valorativo que cada um/uma atribui à determinada situação ou circunstância. O grande problema, a meu ver, surgiu com a relação entre Zana e seu filho édipo (o caçula). É perceptível como as relações apresentadas na história não possuem nenhum grau de simplicidade ou expressam ficção. É tudo tão verossímil, palpável e sucinto que é impossível contestar o talento do Hatoum. O maniqueísmo utilizado pelo autor é muito discreto, e concomitantemente, satisfatório. Por mais que eu quisesse defender algum/alguma personagem, não conseguia, não completamente. Há muitos pontos da história que é preciso analisar com cuidado para perceber que a complexidade apresentada apenas expressa a humanidade em sua essência. 

E se você acha impossível a presença de mistérios em um drama familiar tão controverso, está claramente equivocado. O próprio narrador, Nael, é fruto de um mistério que permeia toda a história: filho de Yaqub ou Omar? Há muitos segredos enterrados na alma de cada personagem que compõe a história, e por não termos acesso à cabecinha de nem um deles, fica impossível ter um posicionamento mais preciso sobre os problemas apresentados e vivenciados. Isso, eu diria, é o trunfo e o desconforto do livro. Por mais que eu tenha desejado adentrar o universo particular dos participantes de tal circo familiar (se é que posso chamar assim), percebi que não era possível, causando assim, certo incômodo, e é justamente neste ponto que percebi que o autor conseguiu o que queria de mim, deixou-me inquieto e pedindo por mais, ainda que outros detalhes não fossem precisamente necessários. Só restou-me ficar com minhas interpretações para ser feliz. 

Em suma, se você busca um livro incrível, interessante e que mexerá intensamente com tudo o que você acha ou pensa sobre família, ou até mesmo sobre as relações, de modo geral, este é o livro. Claramente preciso ler mais livros do autor, e acima de tudo, faz-se necessário tê-los em minhas estantes. (Cadê dinheiro?) Por mais que tenhamos uma história envolvente e sucinta em "Dois Irmãos", nada é simples. Eu preciso deixar isso bem claro para você, embora este seja o diferencial, sem dúvida. Inclusive, escrever esta resenha não foi fácil porque ainda estou organizando minhas interpretações sobre o que li e também vivenciei. Porém, leituras como esta sempre são marcantes, positivamente falando, claro. Então, aventure-se por uma Manaus inimaginável e até desconhecida, cercada de pessoas, locais e situações inesperadas, mas também muito convidativa, bela e recheada de segredos. 

Sobre a adaptação: não assisti todos os capítulos, mas o pouco que vi, achei MUITO fiel, algo que raramente acontece. A produção focou até nos detalhes. Diria que tudo foi satisfatório.


6 comentários:

  1. Achei interessante a história quando vi a chamada na globo, mas confesso que não parei pra assistir. O mistério acerca do narrador é algo bem curioso e diferente, né? E os conflitos na família também instigam o leitor a prosseguir. Não sei se eu leria, mas fico feliz pela obra ter te conquistado tanto. Com certeza Dois Irmãos tem muito potencial!

    xx Carol
    http://caverna-literaria.blogspot.com.br/

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  2. Oi Leandro,
    Eu adoro dramas familiares e toda a complexidade que há nesses relacionamentos.
    Já tinha interesse em ler "Dois irmãos" há algum tempo, mas li a prova do livro no site da editora e não me empolgou muito e acabei desistindo.
    Abraço,
    Alê
    www.alemdacontracapa.blogspot.com

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  3. Olá, Leandro.
    Eu só tomei conhecimento desse livro por causa da minissérie. E confesso que não tinha me interessado pela história não. mas depois dessa sua resenha fica difícil não querer ler. Lembro que li A casa das sete mulheres só por causa da série e amei e também alguns outros que foram adaptados. Acho legal essas adaptações porque assim a gente fica interessado em um liro que de outra forma não teríamos interesse.

    Prefácio

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  4. Olá, Leandro. Tudo bem?
    Eu também só tomei conhecimento sobre o livro, após ver as chamadas do seriado global. Cheguei a assistir alguns episódios e gostei do que vi. Sobre o livro, eu tenho curiosidade e espero que goste tanto, como você gostou.
    O que mais me chocou no pouco que vi da série, é a relação tempestuosa dos irmãos, da forma como a mãe e o pai também agem em relação a isso. Enfim, parece uma obra complexa, mas me digo algo complexo e bom.

    Até mais. http://realidadecaotica.blogspot.com.br/

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  5. Oie Virginiano lindo ;)

    Confesso que só fui conhecer esse livro por causa da série que a Globo fez baseada nele.

    A temática dele até me pareceu interessante, porém um pouco pesada ou intensa demais para o meu gosto. Mas fico feliz em saber que dessa vez a leitura conquistou você.

    Beijos;***
    Ane Reis | Blog My Dear Library.

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  6. Oi Leandro! Tudo bem?

    Eu ainda não li, mas a história parece incrível, tensa, densa. Ainda lerei e conhecerei um pouco dessa família conturbada! Pena que não consegui acompanhar a série, mas fico feliz em saber que ela é fiel a história.

    Bjs, Mi

    O que tem na nossa estante

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